segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Dramaturgia Brasileira Fina Estampa





Existem momentos num telespectador com bagagem no mundo audiovisual em que já reconhecemos grande parte dos arquetipos, estereotipos e padrões da ficção.
No mundo da Dramaturgia portuguesa isso acontece quase indubitavelmente.

As historias, salvo algum bom guionista tipo Rui Vilhena ou Antonio Barreira nos seus dias bons, são uma grande seca! Verdade seja dita....

As personagens são ocas na maior parte, ou então são pouco verosimeis - o heroi é bonzinho, o vilão é mauzinho, e o resto são adereços.

A trama só consegue aguentar-se para 50-70 episodios no maximo...o resto é para encher chouriços como se diz em curto e mau tom.....

É tudo tão igual, os temas são tratados tão superficialmente, são tão grandes os episodios, de duração infinita que eu creio que nenhum bom guionista aguenta. Por isso a culpa não é 100% do guionista, é do realizador, do produtor, dos actores e muito particularmente das cadeias de televisão que ao verem ali o filão querem extorquir ao maximo.
E um dos problemas está ai - o que hoje é fixe, amanha pode não ser... aumentar uma novela 20 episodios nao é o mesmo de aumentar 50 ou 100!!

A não ser que surja uma Janet Clair que dê uma volta de mestre á coisa....como a mesma autora fez - pegou numa novela sem audiencia, pegou nos que o publico mais gostava, fez uma festa e fez aparecer um desastre natural que ''matou'' mais de 2 terços das personagens, para poder recomeçar de um modo diferente!!

Como dizia, a tv portuguesa começou a cansar-me. Os telefilmes, as series são piores que as novelas, e as novelas estão gastas. Mesmo uma novela que ate foi original como Remedio Santo - abordava santos, diabo, igreja catolica, carpideiras, humor, misterio, etc foi tao prolongada que ficou como um doente terminal....

Então começei a ver a novela Fina Estampa, da Globo.
Eles não tiveram uma fase muito boa com o inicio do século, mas ultimamente têm melhorado, quer fazendo remakes quer trabalhando em novas historias.

É o caso da original Fina Estampa.
O que me chamou á atenção ? - Aguinaldo Silva - o escritor de Roque Santeiro, Tieta, Pedra sobre pedra, Fera Ferida, Duas Caras.
Foi o isco....
E depois o elenco de luxo - Lilia Cabral, Christiane Torloni, Dalton Vigh, Carolina Dieckman, Marcelo Serrado, Eva Wilma, Renatah Sorrah, Arlete Sales, etc
E para finalizar ...ter como Director geral Wolf Maya - um director de grandes sucessos

Hoje sentei me para assistir e devo confessar que fiquei deslumbrado.

É uma novela sem grandes dramas amorosos, existe o complexo rico e pobre, temos uma nova rica, temos muitos temas e um leque muito diversificado de personagens - temos desde a tia rica dos ''States'' até a bicha declarada e servo da vilã, passando pelo heroi que quer ser rico, a heroina que é como é, o corno apaixonado pela ex mulher, a ex mulher ''vaca como tudo'' que volta quando o ex fica rico, a jornalista, o casal perfeito, a doutora de fertilizaçao in vitro, etc, ou seja um leque bem variado de personagens!

E isso é uma mais valia da novela.

Outra é a Profundidade das personagens.
Começemos pela vilã Maria Teresa Cristina Buarque Siqueira Velmont como a mesma gosta de frisar, interpretada por Christiane Torloni.
É uma verdadeira cascavel, do jet set brasileiro, tem um criado que ela trata mal como tudo, mas que a adora dando-lhe titulatura egipcia - minha rainha de tebas, filha de osiris, etc.
Teresa Cristina tem uma verdadeira paixão pelo marido, cozinheiro famoso e fiel, e por isso esconde dele um grande segredo...
Vive atormentada por esse segredo, indo ao ponto de matar a certa altura.
É louca, serve num episodio á filha gravida um rato morto no prato, trata todos friamente, no entanto causa uma reacçao ate ''simpatetica'' com o espectador , ja que gira entre a comedia e o drama.
É uma personagem muito grega, no sentido de ser muito polivalente. É um vilão que compreendemos por vezes, que simpatizamos noutras vezes e noutras vezes odiamos.

Não é o vilão que é mauzinho e pronto. Ela é boa, tenta agradar ao marido, e ao mesmo tempo odeia a rival de morte, trata mal meio mundo, é uma pessoa.

Ja Lilia Cabral interpreta uma personagem mais padronizada - abandonada pelo marido, teve que trabalhar como canalizadora e electricista para poder sustentar 3 filhos, é leal, amiga do amigo, pobre, até ao dia em que ganha na lotaria.
Já é uma personagem mais comum - é agressiva por vezes, vingativa a mais para os padroes de santidade, mas ganha a o publico que se revê em algumas atitudes e vivencias da mesma.

Já o filho, Antenor é um estudante de medicina que namora com a filha da vilã e que não quer ser pobre. Ele não é vilão, é mais um antagonista/ heroi.
Ele tem vergonha da propria mae e é capaz de inventar uma historia sobre si mesmo, arranja ate uma actriz para se fazer passar por mãe num jantar de noivado. No entanto é sobre ele que recai um dos maiores momentos de tensão dramatica  - É a Personagem que vai sofrer a mutação !!
Ele é o que mais muda ao longo da novela - do ''cafegeste'' para o heroi!

Mas existem muitas mais personagens e tramas verosimeis ou inverosimeis que enriquecem a novela.
E uma das coisas que mais me embeiçou hoje foi - Linguagem Corporal.
Não só o texto era limpo, claro e preciso, como a linguagem corporal estava perfeita.
Não era o José Carlos Pereira a dirigir-se zangado e a falar como se tivesse no café.... Não eram aqueles gestos clixés e pouco naturais...
Era uma naturalidade, como se Aquela personagem, Naquele contexto, Naquele momento fosse REAL!
E é isso um dos marcos da boa ficção.

Obviamente quando temos um bom texto, bons actores, uma trama minimamente interessante e coesiva resulta numa boa obra.

E Fina Estampa é uma boa obra de ficção.
Não é a mais original, não é perfeita, tem erros, tem coisinhas longas demais ás vezes, mas é uma novela que transpira leveza e consegue criar uma Cadencia entre cliffhanger e os momentos de palha sem cansar.
( Cliffhanger é um recurso para prender a atenção do espectador - tipo - quem matou X foi ...e de repente o episodio acaba, deixando as pessoas na ansia de saber o desfecho....)

Espero que a tv portuguesa aprenda, porque as audiencias tem mostrado que o material portugues esta a ''desvalorizar'' em termos de ficção - Fina Estampa arrasa o programa de Nuno Eiro e Leonor poeiras, arrasou Morangos com açucar, Dancin'Days tem um background de ser um remake de uma novela brasileira, e parece que Gabriela tem ajudado tambem).

A Tvi agora parece apostar em actores da treta - já nao bastava a geração Pereira - rita, jose carlos, ricardo araujo....Pereira's... vem adicionar Luciana Abreu.......
É mau em termos de ficção que se escolham os bonitinhos burros em vez dos menos bonitinhos inteligentes, e que se continue a forçar formatos e a aumentar o numero de episodios.....
Espero que aprendam....



Links :

http://www.teledramaturgia.com.br/tele/finaestampa.asp
http://www.atelevisao.com/tvi/nem-luciana-abreu-salva-louco-amor/

1 comentário:

  1. Texto muito interessante.

    Acho que se formos a ver bem, mais do que o guionista ou realizador ou actores, a culpa do prolongamento das novelas é do próprio público, que quer ver todos os dias a mesma coisa, sem exercitar muito a mente.

    E sim, a nossa ficção continua a anos luz da brasileira.

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