sábado, 9 de maio de 2015

Bob Literário


Querido Diário,
Só vou escrever e não pensar muito, talvez assim eu consiga me lembrar mais. Acabei de acordar; são 4h12 da manhã.
Não me lembro como começou, mas ele sempre tem cabelo comprido. Sabe tudo sobre mim e sabe como me amedrontar mais que qualquer dos outros sonhos que já lhe contei.
Primeiro ele começa brincando comigo. Nós nos escondemos por entre as árvores e vamos procurar um ao outro, mas ele sempre me encontra... e eu nunca consigo encontrá-lo. Ele dá um pulo atrás de mim, agarra meus ombros e pergunta como me chamo. Eu digo que é Laura Palmer, e ele me solta, fica
rodando em volta de mim e dando risada.
Pensando agora, ele nunca brinca da maneira como deveria. É sempre malvado e me põe medo o tempo todo. Acho que ele gosta quando estou com medo. Eu me sinto assim toda vez que ele vem me buscar.

Gosta de me envergonhar puxando a minha calcinha e enfiando o dedo dentro de mim, bem fundo. Quando percebe que está me machucando, ele puxa para fora e cheira a mão. Sempre diz que meu cheiro é ruim. Grita alto para as árvores que eu fedo, que sou suja, e que ele não sabe por que gosta de mim. Diz que se eu não implorasse todas as vezes, ele jamais voltaria.
Eu nunca imploro para ele voltar. Nunca. Gostaria que sumisse daqui. Eu juro.
Quando comecei a ficar mais velha, ele me dizia coisas sobre mim que eu não sabia. Não acho que dissesse a verdade. Acho que estava mentindo e inventando enquanto falava. Ele sempre soube o que me assustava, e exatamente as coisas que devia dizer para me fazer chorar. Depois agarrava meu pescoço... e apertava. Apertava meu pescoço com força até eu parar de chorar. Só soltava quando eu estava desmaiando... acho que desmaiava... às vezes ainda acontece. Tudo começava a escurecer e o corpo a formigar, e minha cabeça girava e eu não podia ver nada, e tinha que parar de chorar ou ele continuava apertando.
Às vezes ele diz: "O que tem aqui embaixo?... O que tem aqui, Laura Palmer?" Ele sempre diz meu nome inteiro, como se assim se mantivesse longe de mim, mas chegando de todos os outros jeitos.

Às vezes eu chegava em casa sangrando. Sangrava e não podia dizer nada a ninguém, e ficava a noite inteira sentada no banheiro, completamente sozinha, esperando que parasse o sangramento. Às vezes ele me cortava entre as pernas, outras dentro da minha boca. Sempre pequenos cortinhos, centenas deles. No banheiro, eu tinha que usar uma lanterna, ou meus pais poderiam acordar e o problema seria muito maior.
Algumas noites ele faz com que eu me lambuze de porra. Ele bate uma punheta bem depressa, me manda pegar a porra na mão, fechar os olhos, e recitar este poeminha enquanto lambo a mão até ficar limpa. Só me lembro um pedaço. Há muito tempo que isso não acontece. Ele me obriga a dizer:

A putinha está
Terrivelmente triste
A putinha
Engole tudo de uma vez
(Não consigo lembrar mais, só a última linha.)
Nesta semente está realmente a morte.

Ele quer que eu goste disso, quando está comigo. Quer que eu diga que sou suja e que tenho um odor. Que eu devia ser jogada no rio para me limpar.
O tempo todo eu me cuido para manter-me limpa. Sempre me lavo entre as pernas, sempre durmo de calcinha limpa, para o caso de ele aparecer. Fico preocupada com que ele chegue e eu não esteja de calcinha limpa. Diz que tenho sorte por ele sempre vir e perder tempo comigo. Diz que é o único homem que vai querer me tocar.
Ele aparece na janela e eu o vejo. Vejo-o sempre, e ele está sorrindo como se fôssemos curtir muito juntos. Chego bem perto de pedir socorro aos meus pais, mas tenho medo do que possa acontecer. Não posso deixar que ninguém saiba dele. Se eu continuar a vê-lo, talvez ele se canse de mim e nunca mais volte. Talvez se eu parar de lutar, ele não venha mais me procurar.
Se eu não tiver medo. Se eu puder não sentir medo...
Jamais pensei nele dessa maneira antes.
Se Deus existe, espero que ele entenda que estou tentando manter-me limpa; isso é um teste pelo qual estou passando, e eu vou conseguir passar.
Aposto que Deus quer que eu prove que sei obedecer, ou talvez que não tenho medo da morte e poder estar com ele. Talvez BOB conheça Deus, e é por isso que sempre sabe o que estou sentindo. Deus deve estar lhe dizendo o que fazer comigo. Deus quer que eu não tenha medo de ser suja. Se eu não tiver medo, ele me levará para o céu.
Espero que sim.


in Diário Secreto de Laura Palmer, de Jennifer Lynch

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