Prem Baba: essa questão toca em muitos pontos que dizem sobre a jornada da alma em evolução. Você está pronto para renunciar aquilo que você tem? Você não pode abrir mão daquilo que você não tem. O primeiro ponto é a compreensão da necessidade de chegar a um acordo com a família e a sociedade, dentro de você, porque enquanto esses aspectos não forem suficientemente esclarecidos, isso agirá como uma âncora te segurando; isso cria uma confusão em sua mente, e não te deixa ter uma visão objetiva da realidade. E uma das principais distorções, está na sua relação com o Mistério; está na sua relação com Deus. E é justamente por ter essa confusão em relação ao Mistério, em relação a Deus, que você não entrega. Você tem medo. Você desconfia, porque lhe falta fé. Essa fé só é iluminada através de uma experiência direta de Deus. Uma experiência direta do mistério da vida.
Quando você tem a chance de ter essa experiência, a sua autêntica fé vai sendo iluminada, mas ainda assim, é um processo. Em alguns casos raros, a experiência é tão profunda que todo o medo é dissolvido de uma única vez, mas na grande maioria, o medo vai sendo dissolvido pouco a pouco. A cada experiência real de Deus, cada instante de samadhi vai dissolvendo essas camadas de medo, até que você esteja pronta para o salto final, que é abrir mão completamente do “eu controlador”, dentro de você, que está a serviço de obter reconhecimento da família e da sociedade, de tentar fazer justiça com as próprias mãos, ou de criar condições para ser amado. É esse mesmo eu controlador que muitas vezes se sente uma vítima. Ele se manifesta de muitas maneiras, ele conta muitas histórias para ele poder exercer o controle. Esse controle é justamente uma forma de resistir a essa entrega para o oceano.
Quando você está diante do oceano e olha para trás, você percebe que tem coisas que ainda não está querendo abrir mão. Você ainda está preso à necessidade de justiça, à necessidade de ser reconhecido, ser amado e, muitas vezes, apegado ao próprio vício da experiência de ser um Rio. Existe realmente um medo de abrir mão da ideia de ser sua história, seu nome, seu corpo. Nesse momento, você chega ao núcleo da divisão dentro de você; no núcleo dessas duas forças opostas que estão atuando dentro de você. E é justamente a atuação de duas forças em direções opostas, que geram sofrimento. E uma das manifestações do sofrimento é a confusão mental. Talvez seja o aspecto primordial do sofrimento. O que mais te perturba, do que o fato de você não compreender para onde vai; não compreender a sua história, o que a vida quer de você. O que é que te traz conforto – alegria, clareza, compreensão? Então, essa divisão gera a confusão mental.
E nesse momento, algo que pode ser de grande valia, é você tomar consciência que você não se entrega para o oceano, porque você não quer. Porque facilmente você se engana acreditando que você não pode. Que você não pode virar essa página da sua vida. Que você não pode abrir mão de algumas coisas que você cultivou com tanto carinho, com tanto esmero. E essa ideia de que você não pode, é que abre as portas para esse sofrimento que se manifesta como confusão e que se desdobra para infinitas variações - sendo que eu considero que a principal, seja a ideia de vítima, que conta para você a história de que você não é merecedora da graça de Deus. Isso, porque você acredita que você não pode se entregar, não pode virar a página da sua vida. Isso não é verdade. A verdade é que você não quer.
Existe um apego a uma necessidade de reconhecimento social, familiar, que se você olha um pouco mais profundamente, identificará um pacto de vingança. E então, você não quer virar a página, porque ainda precisa alimentar o sadomasoquismo. É um apego, um apego a uma ideia de que você ainda vai conseguir fazer diferente. Uma ideia de que você vai mudar o passado. Que você vai ser amado, reconhecido, vai receber tudo aquilo que você acha que precisa receber. Porque você não confia em que se realmente virar a página, vai encontrar algo melhor do outro lado. Você ouviu falar que ao se entregar para o oceano, vai se tornar o oceano... Não é ainda sua experiência. Se você tiver tido a experiência de Deus, do samadhi anteriormente, como eu disse a pouco, o medo vai se dissolvendo, será mais fácil se entregar e confiar. Mas se você não teve essas experiências ou não teve ainda experiências que iluminassem suficientemente sua fé, você não consegue dar esse salto.
Aí você fica nesse bardo de confusão ou de ceticismo, ou ainda de vítima - por muito tempo. Pode ficar dias, meses, anos ou algumas encarnações, acreditando que não pula porque não pode. Mas, na verdade, você não confia que Deus vai realmente te segurar, que do outro lado tem coisas melhores. É que você não teve uma prova. Você diz que acredita em Deus. Você diz que acredita no amor, mas nessa hora você percebe que não é verdade, porque, se confiasse mesmo, você pulava. É importante que tenha consciência dessa falta de fé e essa obstinação em tentar mudar o passado. É isso que faz com que você não queira seguir adiante.
Se puder tomar consciência que você não quer, então, naturalmente você começa a abrir um caminho, uma pequena fenda de conexão com o oceano começa a se formar - mesmo que ainda tenha medo, ainda tenha ceticismo, ainda tenha obstinação em querer mudar o passado. Mas o fato de você reconhecer que não vai adiante porque não quer; por conta do seu comprometimento com tudo isso; por conta do seu acordo com a escuridão que te habita – naturalmente, uma fenda que te liga ao oceano começa a se formar, porque você começou a romper as estruturas, a fundação da vítima. Em outras palavras, começou a criar a ponte da autorresponsabilidade.
E para que essa pequena fenda que conecta o rio com o oceano possa crescer, se faz necessário realmente você apagar os rastros com o passado; se faz necessário você chegar a um acordo com esse passado, que você quer tanto transformar. Apagar os rastros é uma forma metafórica de dizer que você precisa chegar a um acordo. Porque, só quando você chega a um acordo, que você se liberta do passado. Se você está em busca de reconhecimento, procure que você vai encontrar marcas de abandono, humilhação e exclusão no seu sistema. Procure que você vai encontrar mágoas e ressentimento, e uma obstinação em querer fazer justiça, mesmo que você não tenha consciência disso, porque tudo isso acontece em uma instância da inconsciência, onde você sabota a possibilidade de se tornar oceano, mesmo sem perceber. Sabota a felicidade, mesmo sem perceber. Tudo isso para se manter atado a esse passado que você quer mudar.
Então é muito válido olhar de frente para isso, e entender o que é que você busca tanto, até que você possa chegar a um acordo. Até que possa realmente se libertar de vez desse passado. Você não vai mudar esse passado. Você pode dar um novo significado para ele, mas não tem como mudá-lo. E o novo significado é transformar esses episódios que te machucaram, na experiência de que tudo isso foram possibilidades para o crescimento. Quando consegue sentir gratidão por tudo, você se liberta, e aí está pronto para seguir adiante. Mas talvez, antes de chegar nessa gratidão, tenha que colocar outros sentimentos para fora. Talvez tenha raiva, tenha dor de diversas frequências. Então, nessa hora é importante você ter a disposição de pular no vale dos sentimentos negados. É isso que te impede querer seguir adiante. É por isso que você se engana acreditando que não pode, porque para seguir adiante, tem que atravessar esse vale de sentimentos negados, onde está inclusive a falta de fé de que você estava seguro ao mergulhar nesse vale.
Momentos como esse, chegam para todos. Quando uso a metáfora do rio se transformando em oceano, parece distante para alguns, porque remete ao último estágio da iluminação ou coisas do gênero, mas ela pode ser utilizada para qualquer mudança na sua vida. Mudança, que envolve deixar algo que está sob o comando do ego, para deixar realmente o Ser seguir o seu curso.
Estamos falando de ir além do controle. Estamos falando de se render à Vontade Divina. Estamos falando em ir além da ideia de meu e eu. Isso pode estar se manifestando em qualquer área da vida - nos relacionamentos, na sexualidade, na sua vida financeira, na sua vida profissional, nas suas relações de amizade, na relação com a sua saúde e na própria vida espiritual. Para onde é que o fluxo está te levando? Para onde o amor está te levando? E para onde essa mente condicionada, cheia de medo quer te levar? Se puder estar consciente disso, então uma conexão com o oceano está sendo criada. Então, ao invés de ficar encolhido à beira do abismo, acreditando que não pode pular, admita que você não quer pular. Mas para admitir, você precisa enxergar que não quer pular. Querer ver isso, já um grande avanço na jornada.
Se compreender e transformar esse “não posso” para “não quero” já é um grande passo. Mas não olhe isso superficialmente, porque olhar superficialmente para isso não vai te ajudar, mas se olhar com profundidade, vai perceber uma abertura, vai começar perceber a saída desse bardo de confusão. O que Deus quer de você? Se você tem consciência disso, fica ainda mais fácil. Mais fácil do que não saber. Porque essas coisas não são lá muito fáceis. Estamos falando de mudanças profundas no nível da alma, de mudança de identidade. Estamos falando em transformar o medo em confiança. Em sair da frente e deixar Deus te levar.
E você sabe onde é que você não está deixando isso acontecer? Em qual área da vida? Quais situações? Normalmente são as situações específicas, que ainda estão relacionadas a uma imagem que ainda não foi dissolvida. Foi naquele momento em que sua energia vital foi bloqueada e, portanto foi distorcida. Então você fica tentando recriar a cena, com a esperança mágica de que na próxima vez vai fazer diferente. Aí você fica brigando com o papel que Deus lhe deu na peça. A chave está na compreensão. Estou lhe sugerindo focar nos pontos que poderão ampliar a sua compreensão.
Se hoje fosse o dia de você deixar o seu corpo (porque um dia todos vão deixar seus corpos, não vão? Ninguém sabe quando vai ser. Ninguém sabe, mas vamos supor que seja hoje) o que é que você deixaria para trás? O que ficou mal resolvido? O que é que você tentaria voltar, para resolver? São essas contas abertas que faz de você um fantasma, atado ao passado, assim como você está - como um fantasma, morto-vivo, atado ao passado. Porque a vida está no momento presente, e se você não pode estar no presente, não pode saborear o gosto da vida. Então, se você está de malas prontas, se recebeu o chamado para deixar o corpo hoje, você vai em paz? Se não, o que é que está em aberto, mal resolvido com o passado? É muito parecido, porque a mudança envolve uma morte - a morte de um ciclo. O que te prende a esse ciclo que está indo embora, que faz com que você não queira ir adiante e que te impede de seguir adiante? Inevitavelmente, em algum momento o rio encontra o mar. Isso é inevitável...
O que nós estamos tentando aqui, é fazer com que esse movimento aconteça de uma forma tranquila e sem sofrimento - e abrindo uma fenda no tempo, porque o processo natural desse encontro do rio com o oceano pode levar milhares de vidas. Estamos aqui, através da compreensão, possibilitando uma abertura, uma fenda no tempo que pode fazer com que isso aconteça agora. Você acredita nisso? Se não, é valioso também você investigar as crenças que você carrega em relação a isso. Porque se você não acredita na possibilidade de virar essa página, ela não vai ser virada. Não através dessa fenda do tempo - talvez daqui alguns milhares de anos (ou menos para alguns, porque cada um está em um momento diferente...). Eu estou falando de uma forma geral. Se você não acredita que pode amar, você não vai amar. Então é de grande valor, você identificar suas crenças a respeito da impossibilidade de amar. Então é a conscientização do “não” que possibilita o “sim”. Essa é a síntese.
Se você pode identificar em você alguém que diz não, você pode dizer sim, mas correndo o risco. Porque o sim te leva para o desconhecido. Você não pode controlar. Você não pode controlar para onde o vento está te levando, e para se entregar para essa guiança do vento, você tem que estar confiando nessa bondade do universo. Esse é o X da questão. Mas se você ainda tem marcas que fazem duvidar, é porque tem medo de se machucar de novo... Essa é a famosa dualidade. Por isso eu estou lhe dizendo que o caminho de você sair dessa confusão gerada pela dualidade, é você tomando consciência que não quer ir além por conta desse passado, que você não quer mudar.
Aí, vá atrás de chegar a um acordo com esse passado, até que possa agradecer o suficiente para se libertar. Mas só o fato de tomar consciência de que tem essa obstinação em querer mudar o passado, você já começa a abrir o caminho. E como você sabe que está impedindo o fluxo? Através do controle. Como você sabe que está impedindo que a virada da página aconteça? Porque você fica parado naquele ponto, assim como o rio que fica parado diante do oceano, você sente que as coisas não fluem naquela área da vida. O fluxo sempre aponta em direção ao amor, à unidade - desdobrando-se ao infinito. E a sensação de estar realmente no movimento ascendente é de conforto, satisfação, pertencimento. E quando você resiste, sente desconforto, fracasso, não pertencimento; um sentimento de que algo está errado, desencaixado.
Assim é que você vai fazendo a parte que lhe cabe dentro desse jogo. Uma parte cabe ao ego consciente, outra parte é com o Mistério. O que você pode fazer é se colocar à disposição, mas, quando Deus vai te pegar, você não pode saber. Até porque, se você souber - você não deixa acontecer. Isso tem que ser em um cochilo do ego.