domingo, 22 de março de 2015

Duplicando o Sofrimento



Às vezes a clareza surge nas alturas mais inesperadas.
 Isto aconteceu-me quando vivia em Wat Pah Pong. O Nordeste da Tailândia não é dos lugares mais atraentes ou bonitos do mundo, com as suas florestas e vastas planícies e durante a estação quente torna-se extremamente quente. Antes de cada Dia de Observância nós tínhamos de varrer as folhas caídas nos caminhos do mosteiro. Eram bem vastas as áreas a varrer. 
Passávamos a tarde toda debaixo do sol quente, suando e a varrer, com vassouras grosseiras, as folhas para um monte; esta era uma das nossas tarefas. Eu não gostava de a fazer. Pensava, 'Eu não quero fazer isto. Eu não vim para aqui para ter de varrer as folhas do chão; Eu vim para aqui para me tornar iluminado e em vez disso eles põem-me a varrer folhas. Para além disso, está muito calor e eu tenho uma pele clara; posso apanhar cancro da pele por estar aqui neste clima quente.

 Numa dessas tardes lá estava eu a sentir-me verdadeiramente infeliz, pensando 'O que é que estou aqui a fazer? Porque é que eu vim para aqui? Porque é que estou aqui?' E ali fiquei parado com a minha longa e grosseira vassoura, sem nenhuma energia, a sentir pena de mim mesmo e a odiar tudo. Então o Ajahn Chah aproximou-se, sorriu-me e disse 'Wat Pah Pong é bastante sofrimento, não é?' e com isto desandou. Então pensei, 'Porque é que ele disse aquilo? E sabes, na verdade, não é assim tão mau.'

 Ele pôs-me a reflectir 'Será que varrer as folhas é mesmo tão desagradável?...Não, não é. É um tipo de coisa neutra; tu varres as folhas, não é bom nem mau...E suar é algo assim tão terrível? É mesmo uma experiência miserável e humilhante? É mesmo assim tão mau como eu estou a querer fazer parecer?...Não, suar não faz mal, é algo perfeitamente natural. E eu não tenho cancro da pele e as pessoas em Wat Pah Pong são muito simpáticas. O professor é um homem muito bondoso e sensato. Os monges têm-me tratado bem. As pessoas leigas vêm e dão-me comida e... Afinal porque é que eu estou a reclamar?' Reflectindo acerca da verdade da minha experiência, pensei 'Eu estou bem. As pessoas respeitam-me, sou bem tratado. Estou a ser ensinado por pessoas agradáveis num país também agradável. Não há nada de errado com isto, mas sim comigo; estou a criar um problema porque eu não quero varrer folhas e suar.' E com isto tive uma revelação. De repente, senti em mim algo que estava sempre a reclamar e a criticar, e que estava a impedir-me de me entregar totalmente a diversas situações.

Podemos reflectir acerca destas coisas que nos causam indignação e raiva; existe algo de verdadeiramente errado com elas ou são somente algo sobre o qual criamos dukkha? Dessa forma começamos a perceber os problemas que criamos nas nossas vidas e nas vidas das pessoas à nossa volta.

em As Quatro Nobres Verdades, Venerável Ajahn Sumedho ( livro grátis disponível aqui,  em Mosteiro Budista Sumedharama)

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