'' O sol tenta passar através das nuvens, provavelmente vai consegui-lo ao longo do dia. Num dia é Primavera, e no seguinte parece Inverno. O tempo é como os estados de espírito do homem, em cima e em baixo, escuridão e luz temporárias. Sabes, é estranho como desejamos a liberdade, mas fazendo de tudo para ficarmos escravos. Perdemos toda a nossa iniciativa. Esperamos que os outros nos guiem, nos ajudem, sejam generosos e pacíficos, voltamo-nos para gurus, mestres, sábios, salvadores, meditadores. Alguém escreve grande música, outra pessoa toca-a, interpreta-a à sua maneira e nós ouvimo-la, apreciamo-la ou criticamo-la. Somos a audiência que olha para os actores, para os jogadores, para o ecrã de cinema. Outros escrevem poemas, e nós lemo-los; outros pintam, e nós ficamos pasmados em frente das pinturas.
Não temos nada, e voltamo-nos para os outros, para que eles nos entretenham, nos inspirem, nos guiem ou nos salvem. Cada vez mais a civilização moderna nos destrói, nos esvazia de toda a criatividade. Por dentro estamos vazios e esperamos que outros nos enriqueçam, para, desse modo, o nosso vizinho se aproveitar disso para explorar ou sermos nós a tirar proveito disso.
Quando se tem consciência das muitas implicações respeitantes à nossa dependência dos outros, essa mesma liberdade é o inicio da criatividade. Essa liberdade é uma autêntica revolução, e não uma falsa revolução relativa a ajustamentos sociais ou económicos, sendo estes uma outra forma de escravização.
As nossas mentes constroem pequenos castelos de segurança. Queremos ter a certeza acerca de tudo, dos nosso relacionamentos, realizações, esperanças, futuro. Erguemos estas prisões interiores e amaldiçoamos qualquer que tente perturbar-nos. É estranho como a mente está sempre à procura de uma zona onde não haja conflito, perturbação. A nossa existência é uma constante destruição e subsequente reconstrução, de várias formas, dessas zonas de segurança. A nossa mente torna-se assim uma coisa embotada e deprimida. A liberdade consiste em não ter segurança de qualquer espécie.
É realmente surpreendente ter uma mente serena e muito calma, sem uma única onda de pensamento. Claro que a quietude de uma mente morta não tem nada a ver com uma mente naturalmente tranquila. A mente é forçada a aquietar-se pela acção da vontade. Mas será que ela pode estar profundamente, totalmente, silenciosa? É de facto extremamente surpreendente o que acontece quando a mente está em silêncio.
Nesse estado, toda a consciência, que tem a ver com conhecimento e reconhecimento, cessa; acaba a busca instintiva da mente, que é memória. E é muito interessante ver como a mente faz tudo para capturar esse estado indizível através do pensamento, da verbalização, do aperfeiçoamento dos símbolos. Mas para que esse processo termine, natural e espontaneamente, temos de morrer para tudo. Não queremos morrer e, assim, há sempre um esforço inconsciente em marcha, a que chamamos vida. É estranho como a maioria das pessoas quer impressionar todas as outras, através das suas realizações pessoais, da astúcia, dos seus livros - utilizando qualquer meio para se afirmar. ''
in Cartas a uma jovem amiga, Krishnamurti
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