Dia 0
Apenas pelas 12 horas tive o insight para onde iria.
Arranjei tudo, desisti da tenda e antes das 14h40 estava em Sete Rios.
Destino - Valença do Minho.
Felizmente no autocarro tive como companhia Raul Mazilu, um jovem advogado proveniente da Roménia.
Devo confessar que ficamos bastante tempo a conversar, enquanto nos dirigiamos para o Porto, onde ele saiu e eu prossegui viagem noutro autocarro.
O único problema do dia foi os autocarros não terem o WC disponivel. De Lisboa ao Porto foram mais de quatro horas e tive que ir ao motorista pedir chave quase por favor...........
Do Porto a Valença, uma senhora meio tia meteu conversa comigo e falou me das suas férias e da sua nova vida como ''nanny'' na Suiça.
22h30 em Valença. Escuro como breu, mala pesadissima, onde fica a porcaria do Hotel???
Felizmente há segunda tentativa lá dou com ele.
A primeira ilusão a cair é a do Dinheiro. Gasta-se sempre imenso, seja em dormidas, comida ou transportes.
É a grande barreira.
A segunda ilusão é a da Mala. Pesa para caramba. Devia ter previsto isto.
Talvez leve cerca de 18-20 quilos as costas para andar 8 dias mais de 15 quilometros de terra batida e montanha.
Adormeço meio atormentado mas centro-me na Presença.
Dia 1
''Não tenhas planos para a vida, para não estragares os planos que a vida tem para ti''.
Tomei o pequeno almoço e dirigi-me para Tui.
A ponte do Rio Minho é linda. Ali está o rio, verde, cheio de canaviais, barquinhos antigos, etc.
Daria um lugar óptimo para um filme de Tom Sawyer!!
E Tui aparece linda com a sua catedral altiva.
Caminho em direcção a ela. Paro uma vez para descansar e alterar o peso da mala.
Esperava dormir em Tui.
Mas era tão cedo ainda.
Em frente da catedral encontro uma senhora de 60 anos muito simpática. Cheia de energia e vitalidade.
É a Jenny. Eu costumava chama-la Ginny, porque de algum modo a pronúncia da Nova Zelândia é diferente da europeia.
A Jenny fez todo o caminho frances- de Roncesvalles a Vigo, foi a Lisboa, e no Porto começou a subir para atingir Santiago.
Ela diz-me que pretende ir até Porriño, algo como 14-18km nesse dia.
Decido ir com ela, aliás o albergue ainda nem abriu.
Caminhamos e conversamos.
A um terço do caminho entramos numa bonita mata onde existe um belo e pequeno rio. Ai um senhor, chamado Luis molhava os pés.
Este Luis, que por vezes chamava Nuno, parecia um joker, ou um malabarista. Fazia pequenas acrobacias, e vestia-se de um modo curioso. Era sempre o primeiro a sair do Albergue e o ultimo a chegar.
Contou-me que aquele sitio era mágico e a água do rio um elemento de cura.
Continuei com a Jenny.
Lindas zonas cheias de uvas e maçãs e também figos...
E também, a zona industrial de Porriño que parecia uma estrada sem fim. Zonas de mau cheiro, zonas sem nada para ver, e zonas sem fim. Aterramos numa terriola antes do destino onde bebemos uma coca cola.
Ai uma rapariga do café fazia altas festas a um gato gritando alto o nome do mesmo - Mirabel!
E depois sentava-se com os clientes a conversar e a fumar.
Porrino chegou depois. E Finalmente que chegou...
Havia festa na cidade percebemos.
Deixamos tudo no albergue. Eu percorri o jardim da cidade, que tinha inicio no albergue e fui conhecendo de longe alguns dos meus amigos de jornada.
Há distancia de uns dias vejo aparecer algumas caras que se tornariam rotineiras.
Após um passeio pelo jardim vou até a cidade. Na igreja participo numa missa pouco participada de 3 pessoas. E depois passeio pela cidadezinha. Bem engraçada mas nada de muito especial.
Volto ao albergue. Vou conversando com um casal italiano que caminham desde Lisboa, chega a familia Matos - o Luis, o Raul e a Helena, etc.
Ao anoitecer converso um pouco com todos e adormeço.
Dia2
Não consegui dormir nada de especial. Não estou habituado a dormir no saco cama, a dormir num dormitório, em ouvir tantos roncos e objectos a cair.
Levanto-me perto das 6h30.
Visto-me.
Temos que sair antes das 8h.
Vou metendo conversa.
Saio para a rua e eis que a porta se fecha.
É de saida apenas, ou seja não posso voltar a entrar.
Felizmente há muita gente em pé. Vejo um jovem alto, muito ensonado a dirigir-se a porta.
Conheço então o Álvaro e a Cristina, ambos andaluzes. Talvez o casal mais jovem da jornada.
Muito simpáticos e abertos.
Espero a Jenny.
Redondela é o destino.
É uma cidade com alguns toques medievais e desde que cheguei algo me diz que existe um segredo por ali.
Algo histórico..
Felizmente o caminho foi menos árduo que o anterior - 14-15km.
Maçãs no caminho ajudaram a recuperar as forças. Alguns espanhois ofereceram agua mas felizmente tinha.
Tinha comprado em Porriño uma enorme sandes de chouriço e manteiga que serviu para almoço e jantar.
Passeei por Redondela. Metendo conversa com Paco de Valência, Cézar de Madrid, e o casal americano Pam e Wylliam ( não me enganei a escrever o nome!).
Tiro uma foto com os ultimos e Theo uma amiga deles.
Á tardinha tomei uma bebida com Jenny num café esplanada onde nos ofereceram milho frito, amendoins torrados e batatas fritas.
Segui para conhecer a Igreja. Foi aborrecido. Igreja enclausurada, medieval e de algum modo perdida no tempo.
Chego ao albergue e tenho na minha cama um ananás!!
Penso ser do senhor alemão na cama ao lado...
Mas lembro-me que no caminho disse á Jenny - O universo pedi maçãs e deram-me, quem sabe não recebo um ananás.
Rio e abraço-a .
Arranjamos uma faca onde comemos ananás.
Vamos metendo conversa com Marie, uma filipina que mora na Dinamarca, Corinne uma francesa americanizada, entre outros.
Curiosamente existem mais alguns portugueses. Porque razão serão sempre os mais burros e superficiais?
Nem todos obviamente.
Luis, Helena e Raul são uma boa excepção. Mas também eles não são simples peregrinos, Seguem a ALMA....e isso diz muito.
Luis conta-me que já fez muitas vezes o Caminho e que algo fica sempre - o bichinho de voltar, a semente de uma nova peregrinação.
Talvez sim, talvez não penso eu nesses dias. Como está ele tão certo e eu tão errado!!
Dia 3
Até Pontevedra é um forte desafio - quase 20km.
Jenny e eu continuamos a ser uma dupla da caminhada. Apesar de ir conversando com todos, ela é um apoio forte.
Passamos pequenos monumentos, lindos e singelos cruzeiros, a Ria, as ilhas, mas nada muito definido porque é a hora do amanhecer e o nevoeiro é forte.
Chego quase morto a Pontevedra. Tenho que parar no caminho porque me sinto tonto e sem forças.
Bebo sumo, água, chocolate e reforço a dose de cortisona.
Pontevedra traz-me uma surpresa.
O albergue é um dos mais modernos.
Um terapeuta de massagens diz-me para sugerir a Pam, a americana, uma massagem.
Jenny e Pam querem ambas.
De repente descubro que o massagista é portugues. É o Luis Franco.
como se uma caixa de Pandora se abrisse nesse mesmo dia lanço a tarot para várias pessoas.
Luis Matos e Helena dizem que sem os conhecer acertei nos pontos todos.
E Raul, surpreende-me a mim ao conhecer o tarot sem qualquer conhecimento.
Conheço Justine, uma outra rapariga da Nova Zelandia. Deixou tudo - relação, profissão, terra, para caminhar.
Franco tambem esta a caminhar.
De repente sentamos-nos os 3 jovens. o Luis Franco vai fazer um jantar para nos, eu cozo castanhas que encontrei no caminho, bebemos vinho.
torna-se uma noite deliciosa.
Conto a Luis Matos algumas experiencias mais internas minhas.
E com Luis Franco e Justine temos uma noite divertida.
Tambem no dormitorio mandam-me calar a mim e a Álvaro e Cristina.
Fica para sempre o nosso mote - schuuuuuuuuuuu
Deito-me calmo e consolado. Foi um dia cheio.
Dia 4
Acordo cedo, perto das 4h.
Não consigo dormir.
Uma cambada de ciclistas portugueses ficou ali, tornando de algum modo o ambiente insuportável.
Mais tarde a Helena conta-me que também sentiu o mesmo.
Deixo uma mensagem ao Luis Franco e a Justine.
Parto antes de Jenny. Preciso de ficar sozinho.
Não sou um perito em andar e sinto que sem mim Jenny anda mais rápido.
Caminho pela noite cerrada.
Imensos jovens bébados andam pela cidade de Pontevedra.
Subo um monte adornado por um cemiterio iluminado e uma igreja de Santa Maria.
Lugar estranho, ouvem-se corujas e corvos.
Em S.Caetano páro.
São 6h40 da manhã.
Andei 8 a 9 km.
Volto a entrar na mata. Lugares tão escuros e tão bonitos.
O dia amanhece quando chego ao alto, a S.Marçal.
As 8h em ponto entro no café de Noélia e Manoel. São muito simpáticos e o pequeno almoço é muito barato e bom. Oferecem-me uma concha.
Sigo para Caldas de Rey.
Sinto-me tão cansado destes dias, tão fatigado emocionalmente por noites mal dormidas e tantas experiencias que entro em esgotamento.
Choro compulsivamente. Ligo para casa e ninguém atende. Fico alarmado mas nada de especial.
Acalmo e sigo para Caldas.
Infelizmente o grupo dispersa-se. Uns ficam a 3km de Caldas, outros passam Caldas e seguem adiante e eu fico.
É domingo. Muitas lojas estão fechadas.
No albergue chegam alguns conhecidos mas nada dos mais amigos.
Chega o Michael Foxe, um irlandes que ja tinha conhecido.
Curiosamente vamos conversando imenso - politica, economia, caminho, etc.
A noite vai ser genial. Desde as 17h que o albergue não tem ninguém.... Á noite dão me uma chave a mim.
As luzes não se apagam e não posso fazer muito barulho porque duas espanholas chatas do caminho estão ali.
São as cranky como diz o meu amigo Michael.
Vou fechar a porta...não posso, falta Cézar.
Paco de Valência diz-me que está no café ao lado.
Uma das cranky diz-me se a porta esta fechada ? Nao, cezar nao chegou :D
E as luzes?
Deito-me.
Michael tenta apagar as luzes, mas elas ficam mais fortes :D
- Its better now ?
e eu entre risos abafados para as cranky não começarem a reclamar digo perdido de riso
- No Michael, much worse!!
Tentamos ligar e desligar luzes. Nada funciona e corremos o risco de ligar as luzes todas...
Desenrosco algumas luzes e pronto.
adormeço meio tapado no saco cama.
Dia 5
Chove imenso.
Cansado, bolhas nos pés, sem roupa de chuva..
Começo a desistir, talvez o melhor seja um autocarro para Pádron, próximo destino.
Mas nem autocarros aparecem.
Luis Matos liga-me. Ele e a familia vêm a caminho porque ficaram longe.
Compro uma capa de chuva a 3 euros mas é fragil e nao protege a mala.
Os Matos ''aterram'' a minha frente como anjos - vestidos de capas protectoras e fortes.
Luis tira umas calças impermeaveis da mala, o casaco impermeavel de Helena e dão me a mim. Põe sacos na minha mochila e estou preparado para caminhar.
Agradeço imenso a sua ajuda.
Pádron está longe.
É um caminho lindo mas a chuva forte, o cansaço acumulado e as bolhas nos pés fazem-me tremer.
Chegamos a um café. Pam e Wylliam estão lá. Despeço-me sem saber que não os voltarei a encontrar.
Continuamos a percorrer mais 16 km.
Padron aparece.
E estranhamente chego a Padron e quase todo o grupo esta la - Alvaro e Cristina, Michael Foxe, Marie, Paco e César, as Cranky e outras duas senhoras, e claro Jenny.
Abraços e encontros emocionados.
Luis Matos e Helena compram-me uns chinelos de quarto porque os meus sapatos estavam inundados e linha e agulha para cozerem a bolha que tenho no pé.
Após isso fui com o Michael e o pequeno Raul passear.
Foi muito divertido. A igreja, as ruas, o chocolate quente.
Jantei com todos no refeitório do albergue. Ai os espanhois deram-nos pizza, bolo e vinho.
Celebramos.
Uma das senhoras espanholas encontrou-me várias vezes em vários sitios sempre a conversar com diferentes pessoas. E dizia-me - Tu hablas muchissimo!!
Adormeci calmo. Sabia que faltavam 25km para Santiago.
Dia6
O caminho foi longo.
Não o mais duro mas extenuante.
Encontrei no caminho Jenny, onde demos forte abraço.
Combinamos na quarta feira as 11h na Catedral.
Continuei o caminho.
Foi duro mas finalmente chegamos.
Existe uma emoção fortissima quando chegamos e entramos na Catedral.
É uma catarse.
O Fim do processo.
se bem feito, se fortemente emocional é um momento climax.
Foi o que senti,
Uma energia fortissima.
Chorei várias vezes e depositei uma pedra do caminho molhada com as lágrimas que brotavam dos meus olhos.
Por fim encontramos um quarto, ou melhor 2 quartos onde dormimos..
Dia 7
Após o pequeno almoço despedi-me.
momento duro.
momento forte.
Chuva caia quase torrencialmente.
Catedral cheia
E nada de ninguem.
E eu sem dinheiro, apenas o suficiente para voltar para casa.
Fui ate a estação dos autocarros.
Estava ensopado.
Havia em 15 minutos um transporte para Lisboa.
chegaria perto das 0h porque pararia em Vigo, Porto, Albergaria, Coimbra e Fátima.
Enquanto tirava o bilhete apareceu o meu amigo Michael.
Tambem ia para Porto para o aeroporto.
Ele disse que com tanta chuva e com o voo não pudera estar na Catedral.
Conversamos ate ao Porto.
Tambem conheci o Steffan, alemão que terminara também a peregrinação, e que saiu no Porto mas Casa da Música.
O resto do caminho são memórias, são reflexões.
Muitas horas de fome e solidão até chegar.
(image of Jenny Corbett)
E o que fica?
Amigos
Uma viagem riquissima que as palavras não dizem nada
Emoções
sensações
e um desejo de voltar
de outro modo talvez
Nada volta a ser como era, assim sinto, assim seja...