terça-feira, 4 de maio de 2010

 Manuel precisa estar ocupado. Caso contrário, acha que sua vida não tem sentido, está perdendo seu tempo, a sociedade não precisa dele, ninguém o ama, ninguém o quer.
     Portanto, assim que acorda, tem uma série de tarefas: assistir o noticiário na televisão (pode ter acontecido alguma coisa durante a noite), ler o jornal (pode ter acontecido alguma coisa durante o dia de ontem), pedir à mulher que não deixe as crianças se atrasarem para a escola, pegar um carro, um taxi, um ônibus, um metrô, mas sempre concentrado, olhando o vazio, olhando o relógio, se possível dando alguns telefonemas em seu celular – e fazendo questão que todos vejam que é um homem importante, útil para o mundo.
     Manuel chega no trabalho, debruça-se sobre a papelada que o espera. Se for um funcionário, faz o possível para que chefe veja que chegou na hora. Se for patrão, coloca todos para trabalhar imediatamente; caso não existam tarefas importantes, Manuel irá desenvolve-las, cria-las, implementar um novo plano, estabelecer novas linhas de ação.
     Manuel vai almoçar – mas jamais sozinho. Se for patrão, senta-se com os amigos, discute novas estratégias, fala mal dos concorrentes, sempre tem uma carta escondida na manga, queixa-se (com um certo orgulho) da sobrecarga de trabalho. Se Manuel for funcionário, também senta-se com os amigos, queixa-se do chefe, diz que está fazendo muita hora extra, afirma com desespero (e com muito orgulho) que várias coisas na empresa dependem dele.
     Manuel – patrão ou empregado – trabalha a tarde inteira. De vez em quando olha o relógio, está chegando a hora de voltar para casa, mas falta resolver um detalhe aqui, assinar um documento ali. É um homem honesto, quer fazer jus ao seu salário, às expectativas dos outros, aos sonhos de seus pais, que tanto se esforçaram para lhe dar educação necessária.
     Finalmente volta para casa. Toma banho, coloca uma roupa mais confortável, vai jantar com a família. Pergunta pelos deveres dos filhos, as atividades da mulher. De vez em quando fala do seu trabalho, apenas para servir de exemplo – porque não costuma trazer preocupações para casa. O jantar termina, os filhos – que não estão nem aí para exemplos, deveres, ou coisas similares – saem logo da mesa e vão para a frente do computador. Manuel, por sua vez, vai também sentar-se diante daquele velho aparelho de sua infância, chamado televisão. De novo vê os noticiários (pode ter acontecido alguma coisa de tarde)
     Vai deitar-se sempre com um livro técnico na mesa de cabeceira – sendo patrão ou empregado, sabe que a concorrência é grande, e quem não se atualiza, corre o risco de perder o emprego e ter que enfrentar a pior das maldiçoes: ficar desocupado.
     Conversa alguma coisa com sua mulher – afinal, é um homem gentil, trabalhador, amoroso, que cuida de sua família e está pronta para defende-la em qualquer circunstância. O sono vem logo, Manuel dorme, sabendo que no dia seguinte estará muito ocupado, e é preciso recuperar as energias.
     Naquela noite, Manuel tem um sonho. Um anjo lhe pergunta: “por que você faz isso?” Ele responde que é um homem responsável.
     O anjo continua: “você seria capaz de, pelo menos durante quinze minutos do seu dia, parar um pouco, olhar o mundo, olhar você mesmo, e simplesmente não fazer nada?” Manuel diz que adoraria, mas não tem tempo para isso. “Você está me enganando”, diz o anjo. “Todo mundo tem tempo para isso, o que falta é coragem. Trabalhar é uma benção quando isso nos ajuda a pensar no que estamos fazendo. Mas torna-se uma maldição quando sua única utilidade é evitar que pensemos no sentido de nossa vida.”
     Manuel acorda no meio da noite, suando frio. Coragem? Como é que um homem que se sacrifica pelos seus, não tem coragem de parar quinze minutos?
     É melhor dormir de novo, tudo não passa de um sonho, estas perguntas não levam a nada, e amanhã vai estar muito, muito ocupado
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