Dia 0
Porto, Valença, Vigo, Coruña... durante alguns dias não sabia o que decidir.
Fazer o velho percurso foi uma opção que surgiu...talvez porque tivesse que ser.
Não me perderei em longos discursos sobre a longa viagem que ligou Venda a Lisboa e desta ao Porto e Valença.
Cheguei já tarde, procurei o Hotel reservado e assim foi.
Adormeci a dizer - Aproveita cada dia. Kanshashite - Sê Grato.
Dia 1
Levantei-me cedo, voltando a cruzar o Rio Minho, desta vez com uma mala mais leve que da última vez. Tui apareceu-me e fui cruzando as suas ruas, bem devagar, mais calmamente que antes, mas não me apeteceu ficar ali.
A cerca de 2km de começar a andar uma chuva fina fez-se presente.
Vesti a gabardine e pus um saco forte a volta da mala - aprendi bem a lição do ano passado que o Caminho se me apresentou em Caldas de Reis.
Encontro um casal de Tenerife, mais tarde duas senhoras canadianas que me parecem freiras, ou pelo menos é essa a sensação energética que tenho.
Perto do local mistico onde San Telmo morreu proclamo os Gokai, oro pelos que amo.
A chuva intensifica-se. Não poderei molhar os pés no rio....há agua por todos os lados.
Uma parte de mim sente-se a esmorecer - Se calhar devia desistir, vim procurar formações, isto é apenas uma parte menos importante.
Lembro-me de novo da Gratidão e repito como cassete riscada - Kanshashite! Sê grato!
Já perto de Porriño a chuva pára.
Passo pelo cafe onde antes uma rapariga gira brincava com a gata Mirabel. Atrevo-me quase a perguntar pela gata!! Sigo em frente.
O Albergue esta encerrado para obras e pelo que parece para desinfestação de pulgas.....
Como algo no cafe e sigo adiante.
Encontro um velho senhor de trator que me da uma boleia. São benvindos os 7km que me oferece.
Redondela surge perto de uma hora e meia depois.
Há um casal americano - Jerry e Kathy, várias pessoas da Alemanha, um ou outro portugues e várias catalãs.
Pergunto as três catalãs o que pensam da independencia - uma gosta, a outra não, e uma está dividida.
Falo um pouco (duas horas...) com o casal americano. São de Vermont, um pouco acima do estado de Nova Iorque. Perguntam-me porque razão falo tão bem inglês....não sei responder - Os filmes, os livros, os artigos cientificos, mas observo que no meu dia a dia raramente posso treinar a lingua e essa tem sido uma das grandes coisas que o Caminho tem feito por mim - melhorar linguas, quer seja o espanhol, o ingles, o frances e até o alemão.
Falamos um pouco sobre politica, sobre eleições, sobre meteorologia, sobre cultura, enfim.
Encontro um português - Albuquerque.
Brinco com ele, perguntando se é familiar da Ministra das Finanças. Gosto da resposta - Não sou primo de corruptos!
Antes de adormecer conheço o Sr.Jose Souza, a simpatica Miriam, o Franchesco do sul de Itália entre outros. Falo tambem a um ´´rapaz´canadiense que dorme quase nu...num albergue de mais de 40 pessoas. Curiosamente falo que encontrei 2 canadianas, de alguma idade 55-70. Revela-me então que tambem ja as encontrou, são duas canadianas menonitas - ´´uma espécie de amish´´ explica-me ele. Felizmente sei o que são e sei que apesar das muitas semelhanças são comunidades diferentes.
Bem que me parecia que as senhoras tinham ar de Freiras!!
Adormeço.
Dia 2
Levanto-me bem cedo. Sou provavelmente o primeiro a sair do albergue.
Falo com Sergio, um jovem madrileno. Ele ainda se vai vestir e tomar banho, já estou eu quase a sair.
Sei que caminho mais devagar por isso vou indo.
O caminho é mais escuro que o que esperava, afinal ainda nao sao 8h da manha.
A um canto completamente escuro vejo aproximarem-se a passos largos duas mulheres que estavam no albergue. Poucas palavras troquei com elas - serão alemãs, suecas, dinamarquesas?
Não sei. São cordiais e perante um sitio com luz oferecem um pouco da sua.
Mas as suas pernas nordicas são mais velozes que as minhas e pelo que me dirão mais tarde, são mãe e filha e uma delas atleta olimpica.
Encontro um belo cafe que o ano passado partilhei o meu desayuno com Paco, Alvaro, Cristina e Jenny. Está fechado.
Continuo a caminhar.
Até Arcade vou falando com Matthew, texano, cujas filhas e esposa já o acompanharam no Caminho frances mas por as primeiras estarem grávidas a esposa ficou em casa.
É simpatico. Acho curioso, ele é republicano, versus o casal vermontiano no albergue. No entanto não deixa de apresentar criticas aos candidatos e diz que talvez apoie um candidato independente.
Em Arcade ele fica, eu continuo.
Páro mais a frente após falar a um grupo de americanas. Agora, sei que duas delas são Gail e Lise...grandes amigas. Mas nesse momento apenas cumprimento.
Entro num cafe em Arcade.
Como croissant e sumo de laranja....acho.
Uma rapariga simpatica tambem caminhante levanta-se de tambem ter ai tomado o pequeno almoço, cumprimenta-me e segue.
A chuva por vezes faz-se presente.
Como rapidamente e apanho a rapariga.
Isabelle é suiça, terminou licenciatura em advocacia. 9km separam-nos de Pontevedra.
Vamos conversando, um pouco em ingles e um pouco em espanhol. Ela assim prefere para treinaro Castelhano.
Separamos-nos á entrada da cidade. Voltarei a vê-la apenas graças ao Pequeno hitler :D
Antes de chegar a Pontevedra e ainda com ela queixara-me de uma intensa dor nos pés.
Pontevedra chega.
Irei no dia seguinte proceder a encontrar uma escola de medicinas integrativas..... Irei???
Didn´t think so..... é feriado amanhã,.Dia de Pilar, dia da Espanofonia... rio agora ao escrever isto, porque deve ser um termo extremamente incorrecto.
Volto a encontrar Miriam, Jose Souza entre outros.
Há uma rapariga, Patricia muito simpatica tambem.
Faço amizade com Isabel, uma senhora de Valencia... muito cordial, energia muito positiva.
Tenho dificuldades em passear pela cidade. tenho uma dor muito forte no pé esquerdo.
Á noite vamos conversando todos.
Adormeço indeciso.
Dia 3
Não posso andar. É feriado não posso ir procurar a Escola.
Sinto-me aborrecido. Não tenho sono e tenho que sair antes das 8h30 da manha.
Vagueio pela cidade, com alguns 9 quilos ás costas...se não for mais.
Despeço-me de algumas pessoas.
Tomo mais Brufen, mas o seu efeito é redundante.
Telefono para a Escola. Dão-me informações mas é feriado hoje.
Peço à vida, a Deus, ao Universo, à Energia para me guiar.
Estranhamente sinto que devo partir. Padron deve ser o meu destino.
Compro bilhete de comboio.
Falo ainda com um casal australiano, que mora perto de Sidney.
Ajuda a passar o tempo. São muito cordiais.
Apanho na linha 4 o comboio para Padron.
A minha frente, tête a tête um casal idoso parte para Vilagarcia de Arousa.
Perguntam-me de onde sou.
De Portugal.
Onde nasci?
Em Portugal.
Mas não é portugues!
Sou.
Não tem pronuncia de portugues e tem um castelhano muito bom.
Agradeço o elogio.
Partem. Decido tambem dar o meu lugar a um casal com duas bebes. Ali tem uma vista melhor.
Chego a Padron.
Coxo.
Vou seguindo pelas velhas ruas que conheço. Velhas ruas em que tambem coxo, mas por bolhas, partilhei risos e diversão com Michael Foxe e o pequeno Raul o ano passado.
Sento-me a porta do albergue. Falta mais de uma hora e meia para abrir.
Mas deixo que a vida me guie.
Nesse momento não sei, mas o futuro me mostrará que o pé magoado faz ceder os meus planos para a vida.
Como dizia Agostinho da Silva - ´´Não tenhas planos para a vida, para não estragares os planos que a vida tem para ti.´´
Da Igreja vem um jovem alemão, armado com o seu cajado.
Começamos a conversar, convida-me para um café, mesmo ali em baixo.
Sinto que o conheço, mesmo que saiba intelectualmente que nunca o conheci nesta vida.
Klaus e eu conversamos.
Pouco a pouco vamos aprofundando os temas, apresentando as nossas vidas, e ele conta-me que vai até Herbon, um albergue que fica num mosteiro, meio perdido algures por ali.
Digo - Vou Contigo!
Internamente fico meio atonito pela minha resposta.
Vou ao wc antes de partir.
- Estou louco! Vou com um rapaz que não conheço, para um sitio que NUNCA ouvi falar, com o pé neste estado miserável!!
Lembro-me que pedi há poucas horas atrás à Vida para me guiar.
Klaus leva-me a uma Igreja onde esta o Padron, onde miticamente ancorou a barca do Apostolo Tiago. Lanço uma moeda mas não fica lá.
- Como a minha! - sorri Klaus.
Até Herbon são cerca de 30 minutos.
Talvez nem tanto.
A conversa encurta a distância.
Politica portuguesa e alemã são um dos temas.
Chegamos por fim a Herbon.
Fica no meio do nada.
Encolhida entre montes e vales, entre terrinhas que me lembram os anos 80, pinheiros sobre pinheiros.
O albergue abre apenas as 16h.
Ainda não são 13h.
Vamos conversando e partilho tambem um pouco o que comprei - bolachas, iogurtes, batatas fritas.
Vou me apercebendo do quanto temos em comum.
Até me assusta por vezes.
De repente assola-me a ideia que talvez ele seja mais novo que eu.
Nop, tem 41.
Fico eu assolado.Dava-lhe 29.
Conta-me que sempre pareceu mais novo, e sempre quis parecer mais velho.
Rio e identifico-me completamente.
Assim sou eu.
As 16 a senhora do albergue vem em nosso encontro. Fazemos registo. Sabemos que vamos ter jantar oferecido, bem como visita guiada.
Sinto-me muito bem ai.
Conheço Mikail, Thorsten, Joanna, volto a ver Gail e Lise, e conheço alguns polacos.
Quando falei com Klaus, que a partir de agora, carinhosamente apelido de Little Hitler, falamos sobre vazio existencial.
Uma frase surge - A Existencia é um copo vazio....é o Ego que acha que tem de o preencher.
A visita ao mosteiro acaba por ser divertida - gatos Anselma e Hildegarda, Blofeld (ou melhor uma versão alemã... hihihi) e más fotos.
Esta é uma historieta divertida. Klaus pede a Christian para nos tirar foto.
Sai tremida.
Nova foto.
Sai tremida.
Nova foto.
- Its good now! - diz Klaus.
De repente sussurra-me - Its not, but okay.
Vamos à missa.
E depois bom jantar fraterno.
Adormeço com a tosse de Klaus.....ou será de outra pessoa?
Herbon
Blofeld´s cat
Dia 4
Surpresa da manhã - temos pequeno almoço grátis no albergue.
Partimos para Santiago.
Klaus avança como lider nato.
Vou conversando com Gail e com Joanna.
A meio do caminho tenho uma pequena crise de hipoglicemia. Não quero assustar ninguem, páro.
Ao voltar a caminhar a minha dor no pé volta avassaladora.
Caminho lentamente.
Paro num café na Esclavitud onde como enorme fatia de bolo.
Estou cansado. Ai lembro-me de algo.
Fiz download para o Google Earth do caminho de Santiago. Tenho perfeita noção que se seguir em frente e não cortar para Teo e outras terrinhas seguirei mais depressa.
Assim faço.
Corto alguns quilómetros, o preço a pagar uma estrada complicada que mais me parece auto-estrada.
Caminho, caminho, caminho.
Tenho esperança de encontrar taxi ...ate o sinal da boleia faço.
NADA.
Klaus esta ja em Milladoiro.
Pergunto onde estou.... - 4km.
Mais 10 minutos a andar .... - quanto falta ? - 4km!
Chego a Milladoiro por um sitio bem mais perto de Santiago do que pensava.
Aqui um rapaz de mota vendo-me coxo da-me uma boleia ate Portas de Santiago.
Este é um Grande segredo.
Klaus dizia - tu apanhaste um autocarro.
Não... mas uma boleia de 2km foi bem bom..
Depois só andei um quilometro ate chegar a cidade.
Agora podem rir.....
Em Santiago espero...,mas quem espera desespera e vou lentamente ate Catedral.
Encontro depois Gail e Lise na fila para a Compostela.
O ano passado chovia a cantaros e nao tive tempo. Há sempre uma fila enorme.
Este ano sim.
Lá á frente Klaus e Joanna - alemão e polaca.
Ao sair com a Compostela dizem-me - Tens quarto conosco!
Vamos ate ao Suza Hostal.
Curioso- Tambem Lise e Gail estão lá.
O quarto 35 é marcado por risos, pontos de acupuntura, Salazar, as minhas cuecas mickey mouse :D..etc
Torna-se depois uma noite bem divertida com todo o grupo.
Dia 5
Eles vão para Finisterra. Tenho que estar em Vigo pelo menos sexta.
Ou fico em Santiago mais duas noites ou parto para a Grande cidade.
Vou de manha a net.
Após o almoço e me ´perder´em Santiago encontro o grupo de Jose Souza, Miriam, Javi.
Vamos a Catedral, tiramos fotos.
Tambem encontro Mikail e Thorsten.
É uma tarde bem passada.
Só José Souza fica em Santiago. Janto com ele no velho restaurante Derby´s que aprecio bastante.
Depois disso volto para o quarto.
Vou mandando uns sms para o Little Hitler brincando com ele e enviando beijos ás minhas amigas californianas e polaca.
Adormeço.
Dia 6
Até parece que o dia 5 houve pouca coisa.
Mas sabem, muito do que contamos não passam de episodios para voces que leem!
Para mim foi essencialmente Emocional.
Klaus e Joanna vão regressar.
Que faço?
Fico? Parto hoje para Vigo?
Sei que no dia seguinte terei que la estar. Telefono e dizem que posso remarcar para as 16h.
Prefiro.
Sinto que a minha alma e o Universo preferem que fique mais uma noite.
Voltamos a um quarto de tres camas. Desta vez sera o 24.... bom numero.
Meu numero, do meu aniversário.
Vou aprofundando a minha amizade com Joanna.
Faço a ambos um pouco de Shiatsu.
Joanna gostou.
Klaus encontrou Isabelle. A jovem suiça que eu encontrei em Pontevedra.
Preparamo-nos e vamos. Joanna irá a missa.
Compramos uma prendinha para Isabelle, hoje é o seu aniversário.
Vamos tambem a missa, Isabelle queria ver o botafumeiro.
Bad luck! Não há hoje.
Ela conta-nos se queremos ir jantar onde combinou com algumas amigas.
Divertido....algumas dessas amigas eram pessoas que me tinha cruzado e falado em Pontevedra.
Como reflexão final conto que o Caminho é para mim uma descoberta da minha Autenticidade.
Sou muito mais divertido, mais autentico, mais real.
Eu, Klaus e Joanna vamos por fim a um bar.
Sinto-me feliz. Sou capaz de ser feliz.
Dia 7
Parto as 11h para Vigo....acho eu. São 10h50...........
Sabem a cena da corrida em Jules and Jim??
Tivemos uma igual.... Klaus correndo que nem atleta olimpico com a minha mala ás costas.
Joanna e eu vamos atrás.... sorrimos.
Chegamos a estação.
Afinal é as 11h30.
Tiramos uma foto.
Cantamos a nossa canção - One way or another!!!
O comboio chega.
Abraços ternos.
Sinto-me feliz. Não tenho vergonha de dizer que eles tocaram o meu coração.
Joanna, queria amiga, minha Hitler polaca...
E Klaus, meu velho amigo, de que outras paradas nos conhecemos?
Parto para Vigo.
Vigo assemelha-se a um vazio depois disto.
O empregado do hotel é um idiota tipo frigorifico.
A cidade é grande, cheia de colinas.
É bonita mas sinto-me emotivo.
Chego ao quarto.
Algumas lagrimas caiem.
Sinto falta da Vida que Vivi.
Agora sei que os ultimos dias foram isso....vida.
Adormeço a ver os Simpsons.
Dia 8
Kyo dake wa - Só por hoje
Ikaruna - Não te irrites
Shinpai suna - Não te preocupes
Kanshashite - Sê grato
Gyo o hageme - Trabalha arduamente
Hito ni shinsetsuni - Sê bondoso para com todos os seres
Dito os Gokai a mim mesmo.
Vou tentar aproveitar Vigo sem rancores, sem preocupações, com gratidão.
Já tenho um mapa. Vejo a ria, os barcos, as ilhas Cies....
Que bom.
Perco-me no casco velho. Klaus manda mensagem. Esta em Bruxelas e irá para Berlim.
Joanna vai a caminho do Porto para depois apanhar o voo para Berlim e depois Estetine...
A tarde vou ao Museu de Artes Modernas. Gostei.
Especialmente de uma maquina de doces e bebidas hipocondriacas em que cada doce ou bebida é um nome de doença.
A noite cai.
Não gostei da escola de Vigo.
Adormeço.
Dia 9
Acordar cedo. Apanhar Celta.
E chegar ao Porto.
Felizmente volto a reencontrar Joanna.
Reencontro emocionado. Tiramos fotos e mandamos ao Little Hitler.
Depois volto a apanhar o autocarro para Lisboa.
Reencontro o meu afilhado e a minha mae.
O que diferiu?
Desta vez foi mais fundo.
O caminho não foi perfeito como o ano passado, mas desta vez foi segundo a Vida.
Bem haja ao meu pé partido!!
Novas configurações da vida surgem.
Novas formas de VER e VIVER a vida.
Que assim seja...
Um obrigado a todos os que a Vida permitiu encontrar no caminho.
Em particular a Isabelle, a Lise, a Gail, a Miriam, a Jose Souza.
A Joanna um obrigado sincero por ser a amiga inesperada.
E claro a ti Klaus, por seres um Grande amigo... nao sei de onde te conheço, mas sei que revejo em ti mais que um amigo.... um irmão!!!
Arrebatador:)
ResponderEliminarAdorei João grande aventureiro! Escreves tão bem, grande forma de viver e aproveitar cada instante também tu és luz.
ResponderEliminarBeijinho
Ana Pinheiro